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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Meu cabelo queria gritar, mas não podia. Machucava e doía, mas tinha que ser assim! - A hitória do meu cabelo

Todos os dias antes de ir pra escola, corria para casa de minha tia cabeleireira para que ela pudesse pentear meu cabelo. Minha mãe não sabia fazer aquilo direito, afinal o cabelo dela era 'bom': pesado, grosso e ondulado. Já o meu, tinha que estar  preso e bem puxado, com creme na quantidade certa para que não restasse nenhum fio fora do lugar. Meu cabelo queria gritar, mas não podia. Machucava e doía, mas tinha que ser assim!

Sábado era dia de lavar o cabelo, minha mãe desembaraçava e massageava mecha por mecha. Puxava, machucava e doía na hora de pentear, não porque minha mãe era grossa ou rude, ela só não sabia lidar com meu tipo de cabelo. Mas ainda que o processo fosse difícil, a recompensa era boa. Naquele dia eu podia sair com o cabelo solto, e no dia seguinte também. Mas com creme na quantidade certa, para que o volume ficasse controlado. Ele queria gritar mas  não podia, tinha que ser assim!

O meu sonho era ter o cabelo beeem grande, minha avó dizia que assim que era bonito. Mas minha mãe não deixava. Meu cabelo já dava um baita trabalho, imagine se deixasse grande, ninguém iria dar conta. Quando eu fosse mocinha e soubesse cuidar sozinha poderia ter o cabelo do tamanho que quisesse, mas por enquanto não. Uma vez peguei piolho na escola. Foi uma tortura para me livrar deles. Minha mãe desembaraçava o cabelo seco e depois com um pente bem fino espalhava o remédio. Machucava, doía, ardia. Meu cabelo queria gritar mas  não podia. Tinha que ser assim!

Uma vez minha família foi convidada para um casamento. Eu já estava mocinha o suficiente para ter o cabelo escovado. E que lindo ficou, o dobro do tamanho, sem frizz. Todos elogiaram. Agora eu estava correta, agora meu cabelo estava da maneira certa. O processo para que ele ficasse liso não foi lá muito legal. Puxava, machucava doía. Dessa vez era eu quem queria gritar, mas eu não podia. Tinha que ser assim!

Todas as minhas amigas começaram a fazer franja no cabelo. Ahh, eu tinha que ter também. Minha tia não ia querer cortar pra mim, então eu mesma cortei. Não ficou feio, mas tinha que estar sempre lisa. Mesmo quando não dava tempo de escovar todo o resto, a chapinha na franja não podia faltar. O cabelo atrás podia estar emplastado de creme, molhado, escorrendo...mas se a franja estivesse lisa e caindo no olho, estava tudo bem. Meu cabelo queria gritar mas não podia. Tinha que ser assim!

O tempo passou e as escovas começaram a ser mais frequentes. Afinal só assim eu estava arrumada, só com o cabelo liso eu estava bonita. O cabelo cacheado me deixava com cara de criança, e com ar de desleixada. O cabelo liso me fazia parecer mais velha e me deixava com "cara de ryca". Nessa época comecei a pensar a usar química, mas quem cuidava do meu cabelo era minha tia e ela não deixou, minha mãe também não queria. O jeito foi me virar com a chapinha. Eu me queimava, machucava, doía. Na minha cidade fazia muito calor, e constantemente a raiz suava e começava a ficar cacheada. Eu passava chapinha varias vezes durante a semana para abaixar a raiz, chegava a passar mais de uma vez durante o dia. Ele queria ficar cheio de frizz, mas eu não permitia. Meu cabelo queria gritar mas não podia. Tinha que ser assim!

Foram anos e anos nessa rotina. Escova para as ocasiões especiais, chapinha no dia a dia, e quando não dava tempo nem de um nem de outro, franja escovada e o resto do cabelo emplastado de creme. O uso constante da chapinha fez com que meu cabelo ficasse detonado. Ainda que eu cuidasse dele, não estava mais ficando bonito. Nesse meio tempo, comecei a fazer cursinho pré-vestibular e uma vez que o meu tempo passou a ser totalmente dedicado aos estudos me desliguei do meu cabelo. Diante do cansaço e falta de tempo, parei até mesmo com a chapinha na franja. Assim, meu cabelo começou a se recuperar, entretanto os coques e tranças para evitar o volume e fazer com que o meu cabelo ficasse o mais liso possível, eram constantes. Ele queria gritar mas não podia. Tinha que ser assim!

Terminada a maratona de vestibulares, voltei a me importar com meu cabelo. Perambulando pela internet me deparei com um vídeo da Rayza Nicácio, em que ela mostrava como ela cuidava do cabelo cacheado e como fazia para definir. Quando vi o vídeo achei o cabelo dela a coisa mais linda do mundo. Ela não tinha "cara de pobre" por ter o cabelo cacheado. Ela não me parecia feia ou errada. Muito pelo contrario, ela me parecia muito mais correta do que eu com meu cabelo liso pela escova e pela chapinha. Machucava e doía, mas dessa vez não era o meu cabelo, era minha alma, era meu coração por ter, por tanto tempo, impedido o meu cabelo de gritar e ser livre.

Assim, fui pesquisando mais e mais vídeos, comprando produtos adequados, aposentando a chapinha. Aprendi a cuidar, e o mais importante, a amar o meu cabelo do jeitinho que ele é. Aprendi a não ter medo do volume. Aprendi que não é errado ter cabelo cacheado. Aprendi que errado é se dobrar a uma imposição da sociedade que diz que para que uma mulher seja bonita é preciso que ela tenha cabelo longo e liso. Errado é condenar tudo que é de origem negra, seja o cabelo, a boca e o nariz grande, a pele escura, a religião afro-descendente. Errado é ligar todas essas características a pobreza. Aprendi que não! Não! Não tinha que ser assim!

Hoje, o meu cabelo cacheado faz parte de algo muito maior, faz parte da aceitação de mim mesma como pessoa. Como uma obra prima criada por Deus. Me sinto segura para ir a qualquer lugar com o meu cabelo natural, por mais formal que a ocasião seja. Ainda que eu escute alguns comentários negativos de alguns familiares, isso não me afeta mais. Até mesmo porque a grande a maioria apoia e elogia. E o mais importante, é que hoje não doí mais, não machuca mais. Hoje o meu cabelo pode gritar, hoje o meu cabelo pode ser livre, hoje EU posso ser livre.





2 comentários:

  1. Nossa, acabei de ler o post e um suspiro saiu de dentro de mim incontrolavelmente ! Parabéns, pelo post incrivel, pelo cabelo incrivel e certamente por me dar mais um incentivo para assumir o que eu realmente sou ! Obrigada !! Beijo

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    1. Oh Danni, fico feliz que tenha gostado. Quando comecei a escrever no blog o meu intuito era que esse fosse um espaço de troca. E se te toquei ou incentivei de alguma forma, é porque meu objetivo tem se cumprido. Sou muito grata pela visita, e desejo que mantenha-se firme na busca pelo o que realmente é. Beijokas!

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